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Primavera tão triste



Hoje senti uma tristeza. Como aquelas que se tem quando as árvores amarronrronam-se. A tristeza de primavera. Este tempo que me entristece. Às vezes a tristeza é tão bonita. Recebi de mim mesmo uma carta de um ano atrás. Essa carta era minha tristeza de um ano atrás. Revelou-se tão verídica, esta tristeza envelopada. Como se assombrosa realidade fosse uma copa avermelhada no verão. O calor que me queima o coração.

A tristeza que me queima lentamente, como a um carvão solitário no meio do nada. Ela se revela duradoura, tamanha tristeza. Às vezes pondero sobre sua natureza. Às vezes ela revela uma face conhecida. Um pai. Uma amante. Um blues. Uma saudade.

Uma morte. Um medo. Mas nada disso é esta tristeza. Sua face verdadeira me é desconhecida. Carreguei-a como uma parte de minha própria face. Como se eu fosse feito de tristeza.

Mas não é essa a minha natureza, também. Eu, de fato, sinto-me mais como as árvores de primavera que falharam em florescer. Como uma árvore que floresce no outono. Fora do tempo. É assim, como uma copa avermelhada que me sinto em plena época de cores tão frondosas. Mas o que seria de mim agora então?

Minha solidão é assim, uma doce copa avermelhada. Como os castanhos amarelos dos meus olhos sob o sol. Como o ouro que meus olhos refletem à luz do entardecer. O sol em sua vermelhidão tão só… Ah, sol… Se me entende…

Encontro-me sem saber o que há comigo mesmo. Ainda não vejo solução, caminho ou razão para as cores tão destoantes de minha árvore-ser neste período de clareza tão luminosa. É pena as que as grandes matas morram como eu, queimando sob a luz de mil olhos. Ah, mundo, mundo… Tão impossível amar a este mundo…

Eu falo muito mais de mim, pois só de mim posso ver… Quem dera ver ao longe aquilo que não é mais meu… ver como se não fosse eu. Com outros olhos, outros vítreos lacrimosos glóbulos pulsantes. Meses distantes dos meus olhos. Como a balança que não pesa a mim. Minha tatuagem nas estrelas, tão perdida…

Quereria que fosse assim, estrelado no céu. Se eu fosse uma estrela colorida no infinito… Ah mas tão infinita é esta tristeza… Meu brilho tão só, sob a luz do luar. Espalho-me pela imensidão deste azul tão sem fim, com minha copa descolorida de luz.

Uma árvore do infinito tão doce. Às vezes deito-me com minha tristeza e amo-a. Ela me é tão singular. Parece ser tudo que sou, como este infinito azul em que me perco a olhar.

Ah, como eu desejo… Desprender-me deste mundo, ah, sim… Permitir que minhas flores de luz vaguem indefinidamente pelo eterno vácuo do mundo… Partes delas são páginas que agora não tem mais serventia nenhuma para ninguém. Assim como a minha inútil tristeza, a inundar páginas sem fim. Páginas inúteis, derramadas para sempre.

Se eu pudesse me desfazer nessas letras… Como se eu buscasse ser mais do que isso que sou… Mundinho pequeno de pele que habito. Restrito nos olhos míopes que tenho, vendo o pouco do mundo! Mas não quero mais ver deste mundo. Pouco dele é tão doce quanto esta vontade de deixá-lo. Sinto que meu tempo se aproxima, muito mais ainda. O tempo que serei luz de árvore derramada em páginas esvoaçantes no cosmos.

Dizem que somos poeira de estrelas e poeira é tudo que sou. Poeira sobre meus olhos tão marejados, à beira do mar dos meus olhos areia. Fragmento de luz, sou eu. Não luminoso como os divinos anjos do céu, mas de luz ainda assim, tão pequena. Pedaço de minha tristeza que se deita nos meus braços.

Como eu desejei ser acolhido em outros braços, como acolho meu olhar entre os meus… Talvez seja este o meu erro. Acolher tantas coisas ao mesmo tempo. Meu coração se desfaz sem prantos, cansado do mar que vivo a derramar em meu rosto. Meus olhos brilhosos da água que brota como uma nascente sob uma copa de árvore frondosa. Mina d’água que corre nos trilhos da tristeza de onde brota, tão límpida e cristalina.

Essa é a única verdade deste mundo para mim. Sou algo impossível para este local tão mesquinho e pequenino. Sou um brilho infindável tão frágil e bruxuleante. Sou um vaga-lume sob os postes da cidade. Sou tão só em meus próprios braços, aninhando o infante de mim que chora tão calado. Meu silencioso pranto cansado numa tristeza tão bonita de minha infância finita… Finitude de minha alegria aos meus infantes soluços suplícios tão sós.

Que seja meu fim empoeirar o infinito entre as estrelas, com meu brilho frágil e ínfimo. Com esta pouca luz que me resta ao coração. Que ele possa navegar a escuridão

imensa dos astros quando eu me for.

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