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Foto do escritorEmmanuel Prado

Mudez

Sabe quando você para em frente aos olhos de alguém, enxerga o teu reflexo, e

tudo o que consegue fazer é respirar? Entende que suas palavras, por mil escolhas

distintas jamais são suficientemente boas, decentes ou, na maior parte das vezes, são o

que basta? A voz, no próprio pensamento, soa rouca e falha.

As palavras, no entanto, estão lá, ávidas por desejarem os voos do ar, misturando-

se com o gélido sopro da noite, enquanto você olha aqueles olhos. Como brilham. Mas as

palavras, mil vezes mais poéticas do que as que se diz no tempo que se gasta enquanto

faz aquela atividade chata, que se repete incessantemente no dia, não é nem sequer

poesia, perto do brilho daqueles olhos. Branco lívido, levemente úmido, as íris cheias de

milhões de linhas, coloridas daquele castanho desejoso que simplesmente reflete a tua

expressão.

Olho-me no espelho, esperando pelas palavras que nunca disse. Nem a mim, nem

àqueles doces olhos, que por mais delicados que contemplassem a minha feição, jamais

avistariam em meu ser o que eu via na dona daqueles olhos. Os olhos dela jamais saíram

da minha tão boa memória, que se lembra de tantas coisas, muitas inúteis, e se esquece

das importantes por lembrar daqueles olhos. Mil vezes mais esperei para ouvir minha voz dizer aquilo que jamais saberei como

teria dito.

Escrevi, no entanto, na vã esperança de que aqueles olhos lessem. Sei que poucas vezes

saberei do que realmente me acontece por não dizer o que jamais deve deixar de ser dito.

Meu silêncio é mil vezes confortador, mas quando a mudez não permite que eu diga, nem

mesmo o conforto do silêncio aquieta as palavras que não saíram.

Mais do que isso, ainda que tais belos olhos lessem, como poderei eu dizer mais

do que já meus olhos contaram? As palavras não me bastam, mas elas fluem por mim e

isso me basta. Meus símbolos do meu mundo, representando aquilo que eu vi nos pálidos

reflexos do meu ser dentro daqueles olhos. Pálidos são os sons que faço ao escrever.

Tec-tec-tec-tec. Cada letra um golpe no silêncio noturno. Cada palavra uma voz delicada

que sopra dentro do peito.

Mil vezes mais tentei escrever àqueles olhos, dizer, contar, cantar, descrever,

narrar, dar luz aos versos daquele brilhoso olhar, mas o que pude então versar, se não

minha própria solidão? Como os olhos brilhantes, castanhos, revelavam mas não viam as

vontades do meu coração… Olhavam-me. Atravessavam-me. No íntimo, profundo,

alicerce do meu ser. E tudo que eu queria, enquanto olhava aqueles olhos, era dizer.

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