
Já não sei mais como escrever
Perdi as horas longas do ritmo
Da melodia dos meus olhos a ver
Aquilo que eu tinha por último
Minha métrica parece-me toda torta
Como uma veia aberta pela luz
A resvalar no azul que me conduz
A um caminho de apertada porta
Minha alma consolou-se na distância
A relevar tamanha irrelevância
Daquilo que eu desejei um dia amar
Num mundo que eu jamais irei poetizar
Se toda luz do mundo for um caminho
Hei de percorrê-lo pela luz do Sol
Uma onda que perco ao ver o arrebol
Da casa fechada deste meu vizinho
Minha vida é uma rua de ligeiras cores
Arrebatadas na distância e no calor
Onde o que queima mais são os poemas
Numa tarde estranha, vazia de esplendor
Mas um conto delicado que eu não vi
A narrar da tristeza que dela eu despi
Minha onda na espuma salina do chorar
Minhas lágrimas salgadas eu hei de navegar
Mas uma cisma que rompe e me incomoda
Por querer tocar num poema de outra hora
Quero tanto redigir as coisas que aprendi
Mas não posso pois nunca mais a vi
Se eu quisesse ser para sempre um poeta
Deveria escrever das belas luzes da poesia
A tocar meus olhos na cansada maresia
Das lindas noites sem luar em que afoguei
Pois sou envolto num lugar que não narrei
Não consegui jamais por ordem sobre ele
Minh’alma de poeta se perdeu no que chorei
Mas minha vida é mais do que eu pude contar
Se a força dos poemas são tudo que tenho
Deverei sobre eles reforçar o meu engenho
Na frieza da razão por tanto metrificar
As palavras que de mim saem sem parar
Que saudades profundas de escrever
Na finura linha do meu caderno
Numa tinta preta de caneta a escorrer
As dores profundas de soneto do inferno
Pois as dores são as agruras monstruosas
Das mais deprimidas linhas sinuosas
Por onde eu andei antes de aqui estar
Num mar de incertezas a poetizar
Pois meu barco é pequenino sem tamanho
Gigantesco de cicatrizes a se reparar
Como se pudesse num oceano de caos voar
Muito mais que a ordem que existe no meu plano
Mas se minha palavra emerge contra o monstro
Contra o caos das serpentes venenosas
Contra os dragões de caudas tenebrosas
Meu poema é a espada luminosa dos confrontos
Se tudo que eu tenho são poemas cuidadosos
A relembrar o motivo desta existência minha
Na saudade de um amor que antes eu não tinha
Mas que agora é um monstro a devorar meu coração
Antes que eu pudesse brandir a lâmina na mão
Fui cortado e despedaçado em solidão
Mas minha alma mais forte do que imaginei
Pois ainda há nela uma fonte de poemas
A reviver as dilacerações destes meus temas
Minha lâmina de prata a queima a reluzir
Como uma luz dourada no fogo dos dragões
Monstros que meu coração enfrenta sem cessar
Cospem fogo, veneno e morte, imparável
Chamam-se tristeza, saudade e ira
A minha dor parece-se com eles, uma pira
Queimam a própria vida do meu ser
Defendo-me das chamas num véu de água
Fria como a noite, as desilusões são mágoa
Mas é o frio a congelar meus músculos
A retesar os golpes prateados tão minúsculos
Meu coração brande uma espada afiada
Afiadíssima como só ele pode brandir
Num golpe preciso de poemas a sumir
Com os monstros de guerra desesperada
São os monstros mais horríveis que eu pude ver
Prendidos num labirinto de correntes do meu ser
A resmungar das lamuriosas noites insones
Meus golpes são firmes, mas imprecisos
Meu coração não sabe por onde começar
A aparar as arestas destes monstros tão terríveis
São lutas inesquecíveis de um fogo a flamejar
Contra a afiação precisa de poemas impassíveis
Mas se a saudade for também mais um monstro
Como hei de a ele combater?
Se tudo que sinto na força destes meus poemas
São saudades de coisas nas lonjuras cristalinas
Coisas que não tive, como ver brotar de mim
Brotar de mim três vidas pequeninas
Com nomes de crianças e sorrisos doces
Que não portam armas, mas que são letais
O amor que cultivo no meu peito
É meu escudo, minha armadura contra o mal
Contra dragões abomináveis neste labirinto
De onde eu fujo quando só me sinto
Quero sobre estes dragões malévolos derrubar
Rochas incontáveis, para sempre os soterrar
Encontrar na lâmina de meus poemas cura
Para a dor que há tantos anos me tortura
Sei que há num mundo uma luz que é minha
E tudo que faço é para buscá-la na alma sozinha
Pois não há ser no mundo mais poderoso do que eu
Dentro deste mundo tão imenso que é meu
Meu coração é labirinto, jardim e céu
A discorrer a lembrança da visão deste teu véu
Nos meus cabelos o vento do infinito incessante
A guardar minha arma de sangue flamejante
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