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Foto do escritorEmmanuel Prado

A Árvore e o Tempo



Existe uma grande estrada pela qual todo ser vivo haverá de passar um dia, seja em breve, ou em uma espera longa, e por ela passará, seja de modo breve, ou de modo árduo e demorado. Seja como for que se passa pela estrada, todos, sem exceção, hão de encontrar uma árvore, distinta de todas as outras árvores.

Esta árvore, um ser tão antigo quanto o próprio tempo, possui o dom, o poder de ver tudo a sua volta, e conhecer assim tudo àquilo que vê, no instante em que se vê, porém, ela nunca fala, nunca se move e nunca muda a visão de direção, olhando sempre do lado de quem chega a estrada, para por ela trilhar.

A árvore vê o ser vivo, e nesse instante o compreende por completo, até o âmago de sua essência, compreende seus amores, suas angústias, suas dores e suas vitórias, conhece assim suas memórias e sua vida, percebe seu ser e sua verdadeira existência.

Assim, por incontáveis eras, a Árvore tudo viu, tudo sentiu e tudo percebeu, e não houve ser humano, animal, espírito, fera, criatura da qual a Árvore não houvesse conhecido tudo, até a mais profunda camada do ser. E por todas as eras, acreditou que por poder tudo ver, tudo soubesse e tudo fosse capaz de decifrar.

A estrada por sua vez, era longa e infindável, a qual nem mesmo os mais poderosos olhos de águia puderam ver o final, e mesmo caminhando incontáveis milhas, ninguém havia percorrido toda a sua extensão, sendo assim, uma estrada infinita, impossível de ser compreendida.

Passaram então pela árvore, um leão, um homem, um pássaro, uma fera grande como um urso e de feições únicas, em um dia. Assim a Árvore viu no leão a força de seu corpo, a precisão de suas caças, o poder de seu sangue real e a grandeza de seu espírito. No homem a árvore viu a nobreza do verdadeiro amor, a sabedoria de uma longa vida e a prudência de alguém que muito viu, muito fez e muito conheceu, viu no homem a inteligência que lhe proporcionou longa vida e por isso muitas memórias.

No passáro a Árvore viu a liberdade do voo, o poder da imensidão dos céus, a beleza do canto e o aconchego do ninho.

Na fera a Árvore percebeu a tristeza da incompreensão, do medo que os outros seres por ela sentiam, do receio de o mal fazer a alguém, e assim, viu na fera a melancolia da diferença, mas viu na fera também, a beleza oculta de seus sentimentos, e de seu carinho por todos aqueles que viviam.

No entanto, a Árvore, cansada de ver sempre coisas como essas, resolveu observar ainda mais profundamente os seres, chegando até uma essência viva, da qual nenhuma palavra é capaz de exprimir significação semelhante, e portanto inútil sendo tentar racionalizá-la, pensou a Árvore.

E assim os milênios continuaram, a estrada longa e a Árvore perene, sempre em seu lugar, observando tudo o que passava pela estrada, sendo sempre atenta a tudo, não deixando que lhe escapasse um único sinal, algo do qual a Árvore não pudesse compreender, assim não havia em toda a face conhecida, algo da qual a Árvore não soubesse.

Assim, todo o segredo do Universo estava na memória da Árvore, aquela que guarda em suas perenes folhas e sua magnitude todo o conhecimento obtido através de Eras e Eras de observação, armazenando todo o conhecimento, de todos os pontos de vista possíveis e imagináveis.

Contudo, num dia, na realidade não se pode dizer “um dia”, pois onde a estrada e a Árvore estão, o tempo é sempre o mesmo, sempre presente, não havendo portanto vestígio de passado, ou sombra de futuro, sendo sempre uma única unidade. Então neste presente tempo, a Àrvore avistou ao longe do horizonte um viajante, diferente do Homem que havia visto tempos atrás, assemelhava-se de tal modo ao homem que a Árvore pensou ser apenas mais um ser humano.

Porém ao aproximar-se da Árvore, o viajante tornou-se algo incompreensível para a Árvore, algo no qual nem mesmo toda a Visão da Árvore foi capaz de penetrar, tornando-se assim algo desconhecido para aquele que tudo sabia, e tudo havia visto.

Então a Árvore observou a figura distinta do viajante e decidiu pela primeira vez, desde a existência do tempo, pronunciar palavra:

– Quem sois vós viajante? Quem sois Aquele a quem não posso ver? – Indagou a Árvore, com uma voz poderosa como o trovão e que foi sentida por toda a extensão da longa estrada.

– Sou Aquele que viajou por toda a Estrada Eterna. – Respondeu simplesmente o viajante.

Então, por um momento a Árvore pensou, e nem em todo o seu conhecimento infinito havia visto alguém que houvesse viajado por toda a Estrada.

– Como pudestes viajar por toda a extensão infindável da Estrada? Nem mesmo Eu, que Guardo a entrada deste local, o vi por aqui passar! Como dizes que viajastes por tudo, se por mim vós não passastes?

– Árvore grandiosa, como não me vistes passar? Eu vi toda a Estrada, por todas as suas pedras ladrilhadas eu caminhei, e por todos os seres que aqui caminham eu passei, como diz que não me viu?

– Digo pois, viajante que vós estás a ver-me agora, portanto nem sequer começastes a caminhar pela Estrada, pois eu me encontro em seu princípio, e em seu princípio findarei minha perpétua existência.

Deste modo, o silêncio instalou entre o Viajante e a Árvore, o Viajante com seu cajado,sua túnica acinzentada, de uma cor tão neutra que nunca fora vista antes, e a Árvore com sua copa majestosa, que toca toca a imensidão do Céu, e que mesmo assim, não encontra o final da Estrada.

A Árvore então, decidiu indagar novamente o Viajante, para que pudesse obter resposta sobre aquele desconhecido:

– Como pode então, se já passastes por mim, que eu não possa ver-lhe completamente, como a tudo faço? Qual é o vosso segredo Viajante?

– Apenas entrei nesta Estrada por uma porta diferente da qual tu dizes guardar Árvore. Por tal razão não podes compreender-me, nem tampouco estudar-me, e nem sequer ver o que há em minhas memórias, pois tu estás sempre parada, e não vê a eterna mudança que é o Tempo.

– Então, quem sois vós? – Perguntou a Árvore, já compreendendo muito menos do Viajante.

– Eu sou um viajante.

– Então – disse a Árvore – Como posso não compreendê-lo se estou aqui a tanto tempo quanto você?

Desolada a Árvore ficou, pois não podia decifrar o mistério daquele Ser, que prostrado diante dela, era incompreensível. Assim sendo, o viajante simplesmente seguiu seu caminho, pela Eterna Estrada, e a Árvore parada vendo-o partir, finalmente o compreendeu.

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